[Patanjali, Yogasutras I, 2: yogah cittavritti nirodhah. Uma das traduções possíveis: yoga é a dissolução de todos os centros de reação da mente.]
Pratico yoga e nisso aprendo a observar a minha paisagem interior. Como observadora da própria mente percebo os seus movimentos: pensamentos, sentimentos, emoções, os vrttis. Esse esforço de observação é um aspecto de abhyasa, conforme o define Patanjali, prática repetida, dedicada, ininterrupta – e por longo tempo! Não é pouco o que ele pede, nos Yogasutras, I, 14. Sim, porque sabe que a mente humana é agarrada àquilo que construiu ao longo da vida.
Se insisto na prática, e ali me estabeleço com a leveza e o fogo possíveis, começo a me deparar com expectativas, suposições, oscilações, julgamentos, e finalmente com a certeza inabalável: sou um ente separado de tudo o mais que me rodeia. As certezas alcançadas estreitam o alcance da minha percepção e passam a me definir, como ego que sou. Minguam as escolhas; sorrateiramente escorrego para um hábito, mecânico e confortável, quero perpetuar-me a mim mesmo na prática pela qual optei e nisso torno-me previsível, ancorada na segurança do já experimentado.
A existência dessa entidade pensante que imagino ser eu, depende portanto da própria continuidade do meu pensamento. Ele me conduz, penso eu, inequivocamente de um passado para um futuro, atravessando depressinha o agora. Só que a fluidez não é aquela que eu esperava. A mente se move na dança dos vrttis sujeita à atividade da matéria, que no pensamento indiano se manifesta, segundo as leis da Natureza, nos três gunas, funções de vida cuja alternância constante me permitem experimentá-la ora como ação, ora como repouso, mas também como equilíbrio.
Assim, o direcionamento do esforço de abhyasa requer uma atenção afiada, para que cada momento possa emergir na minha tela mental com a sua característica única e para que eu possa adequar a minha ação no agora às necessidades do que se apresenta. Essa consciência plena é um aspecto de vairagya. Ele permite o jogo dos gunas e simultaneamente os transcende, confira em I,16.
A coexistência da continuidade de abhyasa e a descontinuidade psicológica de vairagya corresponde ao dinamismo da vida em si. Não interfiro. A recompensa é o flow, fluxo que me mostra estar ancorada na Mente Criadora porque há uma momentânea dissolução dos vrttis particulares da pequena mente permitindo que por instantes tudo volte ao estado de onda do campo das infinitas possibilidades. Eis aí um aspecto do que é yoga, com s sua proposta de estabelecer-se em nirodhah, o ponto zero da mente que escolhe e permite dissolver-se.