Viver implica em lesionar-se com alguma frequência. As feridas que daí resultam são mais, ou menos, profundas. Ao nível físico, são as defesas naturais do corpo que se mobilizam imediatamente, enviando a química necessária à reparação. Ainda ao nível físico, se o ferimento atinge os tecidos profundos, temos a arte da medicina com as suas especialidades para recolocar tudo no seu lugar e quiçá recorrer aos recursos de uma plástica cosmética para apoiar a estética. Aparentemente, tudo se cura, regenera e volta ao normal.
Ao buscar um tratamento com uma profissional da osteopatia, essa especialidade mágica que tudo descobre na palpação amorosa e certeira, quis ela saber sobre as cicatrizes que eu havia amealhado durante a minha vida, revelando que cicatrizes, e notadamente as profundas, se não forem cuidadas, manuseadas e pacientemente massageadas, tendem a enrijecer por serem constituídas de tecido reparador fibroso. E pasmem, ao longo da vida o enrijecimento pode chegar a um nível tal, que a cicatriz põe-se a tracionar o campo adjacente, causando um mais, ou menos, sutil desarranjo na ordem natural dos tecidos e dos órgãos, atrapalhando a fluidez dos aportes de nutrientes e da drenagem dos elementos tóxicos.
Ouvindo isso, a minha veia filosófica sentiu um sobressalto: o que dizer então dos constantes e por vezes imperceptíveis eventos emocionais, grandes e pequenos, aos quais damos permissão de nos atingir e lesionar? O tempo fará com que sarem; permanecem porém as cicatrizes nos porões dos nossos circuitos neuronais, influenciando a química que comanda a saúde do corpo. Se não lhes dermos atenção vigilante e carinho, para não resvalar para um estado mental de vítimas das tendências e circunstâncias que compõem o jogo das nossas vidas, o desequilíbrio passa a instalar-se sorrateiramente, em silêncio. Sem o autocuidado, que só nós mesmos podemos aprender a ministrar, massageando e amaciando os eventos com amor, empatia e perdão, sobretudo em relação a nós mesmos, o desequilíbrio se transforma em sofrimento e rouba-nos a paz interior.
E é dela que depende a nossa saúde como um todo: corpo, mente e espírito alinhados.