Muitos de nós talvez não o saibam: o idioma original do Novo Testamento é o grego. Um tradutor apaixonado pelo idioma grego daqueles tempos, o americano Andy Gaus, apaixonou-se pela simplicidade dos textos originais e decidiu fazer-lhes a releitura por intermédio de uma nova tradução despojada e livre dos inevitáveis dogmas e interpretações teológicas, por vezes criados por autoridades eclesiásticas séculos após a publicação dos livros que compõem essa Escritura.
Assim, ele faz um salto de dois mil anos, limpando uma linguagem “bíblica” fundada em convenções profundamente arraigadas que acabaram por encobrir um texto vivo, simples e direto. O resultado é uma leitura fácil e fluida, poderosa e mais humana, que nos revela toda a beleza perene da obra.
Tudo isso para chegar onde quero: entre tantos outros ajustes está o significado da palavra que nos foi legada como pecado, e segundo os dogmas acrescentados, de forma inescapável: o pecado “original”. Aquele que literalmente gruda em todo ser encarnado segundo a crença de uma porção importante da humanidade. Aquele cuja expiação exigiria o sacrifício de sangue.
O vocábulo grego em questão é hamartia. Aprendemos aqui que se trata de uma expressão inofensiva utilizada pelos arqueiros: hamartia significa pura e simplesmente errar o alvo, e portanto, nada que não possa ser corrigido, perdoado e curado. A correção impecabiliza, se for essa a minha escolha.
Séculos de culpa e vergonha e medo sendo retificados e dissipados de um só golpe, se quisermos, graças à expansão de consciência na busca sincera de uma releitura ampliadora do conhecimento possível e disponível para todo ser humano de boa vontade.
E se nos fosse dado, num esforço coletivo e amoroso, buscar e encontrar e desvendar e limpar mais e mais implantes, convenções, opiniões, dogmas, ensinamentos retorcidos e particularizados que permeiam a nossa sociedade planetária desnorteada recobrindo-a com um denso véu, para então retificar significados enviesados por meio de um grande perdão universal?
Somos nós, seres humanos, dotados das faculdades necessárias para empreender esse esforço. O caminho passa pelas escolhas preferidas de cada um, mas nunca dispensa a reversão radical do olhar. Se limpo cá dentro, passo a projetar pureza genuína, para abrir caminhos mais brandos lá fora.