Ho’oponopono e a Inversão do Perdão

Anos atrás, era consenso ser eu vítima de uma circunstância deplorável. De fato, sentia-me agredida, traída, desrespeitada, desprezada; minguava a minha confiança, minguava o meu otimismo, e, pior de tudo, minguava a minha energia. Passei a buscar conforto enrolada nos cobertores quentinhos da autocomiseração. Um buraco negro no coração. Não parecia ser eu.

Uma amiga, assim do nada, abriu a conversa sobre um processo que levava o estranho nome de ho’oponopono. Difícil até de digitar com fluência. Falou por alto sobre o alívio que o perdoar traz para as nossas vidas. Comecei a prestar atenção, abriu-se uma fresta na minha percepção sutil, ainda sem que eu pudesse ligar os pontos.

Na época, em paralelo, a prática cognitiva diária proposta em Um Curso em Milagres começava a destilar em mim algum conforto. Foi quando, de relance, uma frase ali me chamou a atenção – “… neste mundo, perdoar é uma correção necessária para todos os erros que cometemos.” (UCEM, Prefácio)

Alertada, os canais da percepção se aguçaram e, ao acordar pela manhã, recebi o download sutil da conversa com a minha amiga; qual seria exatamente a proposta do tal ho’oponopono? Aos meus olhos, como também na percepção coletiva das pessoas parcialmente envolvidas que me rodeavam, buscar o perdão parecia algo que não cabia a mim e sim, ao aparente perpetrador.

Não foi difícil encontrar as quatro frases milagrosas dessa tradição xamânica do povo kahuna do Havaí, frases que, ouso dizer, hoje já se estabelecem no inconsciente coletivo.

Num primeiro momento, fiquei em choque: SINTO MUITO, ME PERDOE, AMO VOCÊ E LHE AGRADEÇO. Eu, ali do meu canto quentinho, vitimizada e lambendo as feridas, deveria sair para PEDIR o perdão. Onde foi que me perdi?

Aceitar, assimilar, processar honestamente essa proposta nas entranhas do meu ser demorou. A cada vez que encontrava uma ponta de alívio, lá vinha algum lampejo de indignação cutucar a ferida. Foi só quando renunciei a todo e qualquer apoio proveniente do meu entorno, que passei a afundar um olhar implacável, a cada manhã, nos meus próprios olhos refletidos no espelho. O que era “aquilo”?

A realidade feia e indesejável, da qual quis me separar utilizando a rejeição do julgamento, fora criada por mim mesma – difícil acreditar – para que eu pudesse vivenciá-la em aparente ignorância, em prol de um eu que desejava expandir-se em mais uma experiência. De relance, o meu olhar recebia o “aquilo”, uma luz, para que eu pudesse enxergar.

De súbito, tudo fez sentido: pedir perdão a mim mesma, de igual para igual, sem condescendência nem falsa humildade, limpava dentro de mim miríades de frações múltiplas e desconhecidas do campo de percepção que divido com o outro. Com qualquer Outro. Não com o outro específico, aquele a quem se imputava a culpa ilusória. Um campo infinito salpicado de mal-entendidos oriundos da cegueira coletiva condicionada de bilhões de pequenos eus.

Pedir perdão portanto, é o passo inicial, o alívio possível. Permite a cada pequeno eu reconectar-se, ao Outro e à Fonte.

Nesse vislumbre, de quebra compreendi em profundidade o sutra I,33 de Patanjali, uma abordagem renovada nas relações humanas, pautada por simpatia, compaixão, alegria e consideração frente aos hábeis e menos hábeis estados de alma e atitudes dos que dividem o seu dia conosco.

Três tradições e três linguagens diferentes. SOMOS TODOS UM.