A Certeza Incerta do Despertar

Despertar: dom, habilidade, meta, mérito? O que envolve? Esforço, circunstância, transformação? Algo muda? O conteúdo dessas perguntas traduz a inquietação de muitos. Inseridos numa sociedade que queremos ordenada, nos deparamos com caos. Treinados em resolver problemas, educados para encontrar soluções que façam sentido, cresce o debate dos buscadores sinceros, a dúvida sobre os acertos, o espanto com relação aos erros, e também a angústia. Retirar-se para algum lugar, aprender alguma técnica, fazer abluções, dietas e exercícios, rezar por bom senso, ou meditar sem trégua à sombra de uma grande figueira na firme e determinada resolução de não arredar pé até entender? E entender o quê?

Iluminação parece algo longínquo e inacessível, reservado a grandes Espíritos de Luz, Gautama Buda o Desperto, Jesus Cristo o Ungido, e tantos outros. No entanto, o despertar não “acontece”. Ele sempre está, na luz, ele sempre é, no presente. Do nada, abre-se a possibilidade do acesso a esse estado de saber que sei: nada mais do que transferir o foco da atenção que me amarra à mente condicionada para a totalidade do que posso escolher, receber e ser. Na liberdade que ali se descortina, dilui-se o medo.

Estou desperto quando sei de mim e reconheço que esse universo de pensamentos, sentimentos e emoções, os vrttis, fazem parte de mim e brotaram de algum lugar muito espaçoso que aparentemente, ou ainda, desconheço. Não importa. Como ser humano estou sujeito a um sem número de implantes que me distraem: raiva e culpa, vergonha e arrependimento, compulsão e obsessão, paz e amor, dúvida e medo, tristeza e ciúme, alegria e inveja, entusiasmo e ansiedade, cobiça e generosidade, e tantos outros estados d’alma que me são familiares.  Mas possuo também a faculdade inata do despertar: quando não culpo nem julgo a mim mesmo por senti-los; quando posso abrir mão de projetar esses conteúdos no outro e de criar expectativas das quais o outro sequer suspeita por não fazerem parte do construto da sua realidade.

Esse universo mental e muitos outros universos também, fluem através de mim eternamente, se puder me abrir para a possibilidade de permitir o fluxo da onda, que descortina uma riqueza inimaginável de opções e potenciais que me permitem formular perguntas sobre quais e quantas possibilidades estão ali à minha escolha. É a resposta que dou que me acorrenta, transformando-se em partícula, fato, evento consumado. Posso permitir-me permanecer acorrentado, se assim o escolher, mas se sei de mim, posso também dissolver a corrente, lançar novo olhar à minha volta e continuar na pergunta libertadora: o que mais é possível? Desperto e atento, navego essa onda infinita de surpresas possíveis. Posso permitir-me criar respostas em série para logo em seguida vislumbrar nova dádiva, novo talento a ser explorado.

Começo a despertar para esse tesouro quando entendo e perdoo a minha própria disposição condicionada do analisar, comparar, criticar, julgar e rejeitar o outro em todas as minhas interações. Ao entender a mim mesmo, abre-se a porta para o outro, que espelha para mim o quanto analiso comparo, critico, julgo e rejeito a mim mesmo. Obrigada, “outro”, por me mostrar! Sinto muito, me perdoe, amo você, gratidão! Quero mais…

Uma resposta para “A Certeza Incerta do Despertar”

  1. Avatar de Vanessa Limaverde
    Vanessa Limaverde

    Uau. Gratidão imensa por partilhar seus textos. São uma riqueza, um baú aberto transbordando reflexões reais, viscerais.